Um endereço para Adão e Eva
Arqueólogo inglês diz que encontrou, no Irã, o Jardim do Éden. Só que, para ele, o lugar foi o berço da civilização -- e não da espécie humana, como diz a Bíblia.
Por Fernando Valeika de Barros, de Tabriz, Irã
Não é preciso ser religioso para se deixar fascinar pela história contada no livro Legend — 7 The Genesis of the Civilization (Lenda — A Gênese da Civilização), lançado em outubro de 1998 pelo arqueólogo David Rohl. Presidente da Sociedade de Egiptologia de Sussex, na Inglaterra, e ex-pesquisador do Instituto de Arqueologia Britânico, Rohl se baseia em nomes antigos e atuais de rios, cidades e montanhas para provar que encontrou o Éden — o pedaço de terra aprazível onde, segundo o mito bíblico, teriam surgido Adão e Eva, os primeiros humanos da Terra. Só que o Éden do arqueólogo não é nada parecido com o do livro sagrado. Fica na região de Tabriz, uma cidade feiosa do Irã (veja na páginas 64). Além disso, para ele, o que surgiu ali não foi o primeiro homem, mas a primeira tribo capaz de dominar a agricultura e domesticar animais. "O Éden foi o berço da civilização", disse Rohl à SUPER.
A tese é impactante. Em cinco meses o livro vendeu, só na Inglaterra, 35 000 exemplares e a rede de televisão BBC já começou a gravar uma série de documentários sobre o assunto. Entre os acadêmicos, muitos acham que Rohl forçou a mão na análise das evidências para criar uma história vendável. Mas há também quem admita a possibilidade de ele estar certo.
Trata-se mesmo de uma questão polêmica. E antiqüíssima. Desde o historiador romano Flavius Josefus (37-100), muitos estudiosos já acreditaram ter achado o Éden. É que o livro do Gênesis — o primeiro entre os 24 do Velho Testamento, que junto com o Novo Testamento compõe a Bíblia — dá indicações bem precisas sobre o seu endereço. Aceito por cristãos, judeus e em parte até por muçulmanos, o mito do jardim do paraíso inspira milhões. Procurá-lo é uma tentação.
Onde estão as macieiras e as serpentes?
Dizer que o Paraíso bíblico fica em Tabriz parece até provocação. Na cidade, 900 quilômetros a noroeste de Teerã, perto da Turquia, praticamente não há árvores. O ar é poluído por refinarias de petróleo e escapamentos de carros cujos donos gastam mísero 1,5 dólar para encher o tanque.
Bem, nem sempre foi assim. Quem sai de lá em direção ao sul encontra uma paisagem menos árida, com rios, provavelmente mais parecida com a que se via há 8 000 anos, quando, de acordo com Rohl, Adão era o manda-chuva. Há videiras e ameixeiras, além de plantações de batata e de cebola. Macieiras, mesmo, como as presentes na lenda bíblica, são raras. As montanhas e o Lago Urmia, de água salgada, também enfeitam o lugar. Mas ele está longe de ser o jardim exuberante do mito da origem humana.
A chave da hipótese de Rohl — que se diz agnóstico, ou seja, não acredita em Deus, embora não descarte sua existência — é o Rio Adji Chai, que passa dentro de Tabriz. A partir de comparações entre o Gênesis e os nomes atuais de rios, montanhas e cidades (veja à direita), o arqueólogo concluiu que o Adji Chai era o rio que banhava o Éden. Daí comparou histórias bíblicas e lendas para construir sua teoria sobre a tribo de Adão, a fundadora da civilização (veja a página 66), que depois a teria levado para a Mesopotâmia. Aí, entre os rios Tigre e Eufrates, no atual Iraque, surgiriam as mais antigas cidades conhecidas, há 6 000 anos.
A hipótese de que a região montanhosa do noroeste do Irã abrigou povos evoluídos é aceita por muitos arqueólogos. O curdo Mehrdad Izady, da Universidade Harvard, disse à SUPER que resíduos em potes encontrados nos Montes Zagros, no Curdistão, pertinho dali, indicam que já se fermentava vinho e cerveja na região há cerca de 5 000 anos. Para o inglês James Melaart, do London College, "não há como negar que os habitantes das terras altas domesticaram animais, plantaram cereais e usaram ferramentas antes dos povos das terras baixas". O difícil é provar que esses povos migraram para a Mesopotâmia, o que Rohl tenta fazer por meio da pesquisa filológica — o estudo da língua e sua evolução — e comparando cerâmicas. "O problema é que cerâmica não é passaporte", retruca Melaart. Para Rohl, pode ser, sim. Como naquele tempo não havia comércio, ele defende que encontrar a mesma decoração de vaso em regiões diferentes só pode significar migração.
Ligações polêmicas
Outro nó da tese é a localização do Éden. "Ele não passa de uma lembrança mitológica", descarta o arqueólogo Pierre Delumeau, do College de France, em Paris. "Ao longo de tanto tempo, vestígios de nomes desaparecem", garante o filólogo iraniano Abdelmagid Arfall, discípulo de Samuel Kramer, da Universidade de Chicago, um dos papas na História da Mesopotâmia. Já o arqueólogo inglês Kenneth Kitchen, da Universidade de Liverpool, que também estuda a região, admite a possibilidade. "Pode haver mesmo uma conexão entre nomes de hoje e do passado", afirma. Kitchen faz parte do grupo que não descarta a hipótese de a Bíblia ser um aglomerado de mitos que podem ter, sim, algo a ver com a realidade de povos antigos.
Casamento político e frutífero
Mas e a Eva? Onde entra na história? Rohl tem a resposta na ponta da língua. Para conquistar poder, Adão teria feito uma aliança com a tribo Havah, que morava a leste do Éden, casando-se com a filha de seu líder. A moça levou junto o nome de seu povo e passou à posteridade com a simplificação Eva. "Foi o mais antigo casamento político conhecido", disse o arqueólogo à SUPER. "O evento acabou sendo interpretado pelos descendentes como o início da civilização, pois uniu tribos importantes numa nova, que transferiu adiante seus mitos e rituais, criando uma cultura."
Passados de boca em boca, esses mitos teriam se espalhado e chegado centenas de anos mais tarde à Mesopotâmia. Numa das mais importantes cidades dessa região, Ur, morava, segundo a Bíblia, um pastor chamado Abraão. Para Rohl, ele teria assimilado as lendas e, quando partiu para a Terra de Canaã, hoje Israel, onde seus descendentes se dividiriam entre judeus, cristãos e mulçumanos, levado as histórias que acabaram eternizadas nas páginas do Gênesis.
Essa é, de acordo com Rohl, a origem da crença de que todos somos descendentes de um casal que há milhares de anos teve de sair do Jardim do Éden porque comeu o fruto proibido da Árvore do Conhecimento. Mas, como não há vestígios físicos de toda a saga, vai ser muito difícil comprová-la. Adão e Eva, ao que tudo indica, continuarão com endereço duvidoso.
Para saber mais
A História Começa na Suméria, Samuel Kramer, Europa-América, Lisboa, 19971. A dica bíblica
O livro do Gênesis diz que o rio que corre pelo Jardim do Éden fica junto às nascentes de quatro outros rios: Eufrates, Tigre, Gihon e Pishon.
Fonte: SUPERINTERESANTE
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